Por Paulo Vinicius F. dos Santos.
Neste segundo volume, conhecemos um pouco mais sobre os outros membros da família de Morpheus e vemos alguns deles planejando ampliar sua influência. Somos levados também para o interior dos EUA para uma convenção de serial killers.
Este foi um volume mais sólido da série onde podemos perceber que o autor finalmente encontrou sua voz. Gaiman avança suas histórias e somos apresentados a diversos personagens que farão parte de uma trama maior a ser desvendada aos poucos. Mantendo uma qualidade ímpar, The Doll's House supera e muito o seu volume inicial. Mas, vamos falar um pouco sobre as minúcias do volume.
Este volume tem como personagem central Rose Walker que possui uma habilidade única que pode levar o Sonhar para o caos completo. Desejo, uma dos Eternos, deseja pôr as mãos em Rose de forma a ampliar sua influência. Mas, ela vai tentar isso de forma indireta. Rose e sua mãe, Miranda, vão receber uma estranha carta chamando-as para a Europa onde se encontrarão com Unity Kincaid, uma senhora que parece ter uma estranha ligação com as duas. Já Morpheus se dará conta de que alguns pesadelos fugiram do Sonhar: Glob e Brute, o Coríntio e Fiddler's Green. Devido à natureza destes pesadelos, Morfeus precisa trazê-los de volta antes que eles causem danos irreparáveis. Além do que, ele precisa demonstrar que anda está no controle de sua própria dimensão. Como extras, temos dois interlúdios: um contando a história de como Morpheus conheceu a linda princesa africana Nada; e o outro que conta sobre um homem que se encontra a cada cem anos com Morpheus e conversa com ele em uma mesa de bar.
Antes de mais nada é preciso destacar como esse volume é reflexivo. A quantidade de mensagens escondidas nas entrelinhas dele é gigantesca. E eu duvido muito que eu tenha conseguido pescar todos os temas, mas tentarei apresentar aquilo que mais me chamou a atenção. O volume recebe o nome de Casa de Bonecas a partir de uma mensagem que Gaiman tenta passar ao longo da história. Isso porque Sandman é uma história sobre seres poderosos que mexem com vários aspectos da realidade. Estamos falando de seres como Sonho, Desejo, Destino, Delírio, Morte. Como seres humanos, estamos todos à mercê dos poderes destes seres eternos. Cada um deles pode interferir diretamente na ordem universal. Por exemplo, quando Sonho esteve preso durante mais de meio século, muitos seres humanos foram afetados pelo descontrole dos sonhos. Neste volume, a inexperiência de Rose Walker produz efeitos extremamente nocivos para várias pessoas ao seu redor. Mas, ao mesmo tempo, Gaiman faz uma inversão nesta filosofia ao colocar Morpheus e Desejo em um diálogo muito interessante no epílogo deste volume: será também que não podemos pensar que são os seres humanos que se utilizam dos eternos? Será que não são nossos próprios inconscientes que dão forma a estes seres tão poderosos? Por que se não houvessem pessoas sonhando, haveria necessidade de um Morpheus? Ou se não desejássemos, haveria necessidade de uma Desejo? Se fôssemos todos eternos, por que existiria a Morte? É uma interessante forma de pensar. Uma nova maneira de enxergar estes seres tão poderosos.
A partir deste segundo volume, Gaiman passa a empregar desenhistas convidados. Realmente os lindos traços de Mike Dringenberg e Malcolm Jones não são passíveis de manterem um ritmo mensal. É preciso criar estratégias para dar algum descanso para eles. E surgem os interlúdios justamente para cobrir esses espaços. Neste volume, temos Chris Bachalo, Michael Zulli e Steve Parkhouse. Os três ficaram encarregados do conto Men of Good Fortune que funciona como interlúdio entre os capítulos de The Doll's House. Eles contribuíram muito bem com este volume e, mesmo sendo um filler, eles quebram um pouco o ritmo sombrio dos outros capítulos. É um conto com quadros coloridos e que se passa em uma taverna ao longo de vários séculos. A quantidade de personagens diferentes no cenário mostra a habilidade dos artistas em pintar estilos diferentes. Temos desde personagens típicos da Idade Média até pessoas do tempo presente. Predomina uma forte palheta puxada para o marrom e o bege típicos de um bar. O preto e azul do Morpheus chega a chamar a atenção.
Nos demais capítulos, o meu destaque vai para o belíssimo prelúdio que mostra o conto do amor de Nada por Morpheus. Os visuais são absolutamente estonteantes. A beleza do sol no deserto ou da corte de Nada. Dringenberg e Jones trabalharam com espaços muito amplos, o que forneceu uma característica única para a história. Nos demais capítulos podemos perceber como a carga de trabalho acaba pesando um pouco para os dois artistas. É possível perceber uma leve queda em alguns capítulos do meio do volume, mas nada que prejudique a história. O visual do Coríntio ficou absolutamente arrasador. Aquilo é realmente de dar medo. Os olhos dele me davam nervoso. Os desenhos mais gore também ajudaram a demonstrar o estilo agressivo e sanguinário do personagem. Também preciso destacar o momento em que são descritos o que cada personagem está sonhando lá pelo final do volume. Os dois artistas conseguiram dar individualidade a cada um dos sonhos apresentados. Pensar que isso é feito sem nenhum recurso digital é de aplaudir de pé os artistas.
Apesar de Gaiman se manter afastado do universo maior da DC, isto não impede que ele use alguns elementos aqui e ali. O autor decidiu brincar com as referências ao Sandman antes da criação do seu Morpheus. Ele utiliza um personagem que usava essa alcunha para construir a sua história. Vemos que é um personagem bobo situando a mentalidade dele nas histórias típicas da década de 40 a 60. Um personagem sem grandes ambições além de derrotar o inimigo da semana, que era geralmente alguém bem bobo. Só que é um superherói que não percebeu que seu tempo já passou e acaba se tornando marionete de Glob e Brute. É muito interessante essa referência a essas histórias mais antigas e talvez mais ingênuas diante da profundidade exercida por Sandman. Esse momento serve também para nos apresentar a Jed, irmão de Rose que estava desaparecido há muito tempo. Jed foi separado de Rose quando era muito pequeno e ficou sob os cuidados de uma família que o acolheu. Só que esta família acaba tratando o jovem Jed com extrema violência e o mantendo cativo no porão de casa. Não sei se existe aqui uma interferência dos dois pesadelos ou de Desejo, mas eu não percebi. Eu atribui aquilo à simples truculência do casal. A vontade de receber o dinheiro de Jed sem repartir com ele. Parece que Glob e Brute deram uma sugestão mental para o casal de que ele não deveria fugir, algo que ele havia tentado algumas vezes.
Neste volume é preciso destacar a habilidade do autor de amarrar histórias. Tudo faz sentido; nada está ali por acaso. Vemos alguns relances disso quando são mencionados alguns elementos de trama do primeiro volume como Unity Kincaid que vai ser central neste volume. Unity é uma das que foram afetadas pela doença dos sonhos quando Morpheus esteve preso. O massacre cometido pelo Doutor Destino no bar é mencionado algumas vezes. As fiandeiras aparecem novamente, dessa vez para Rose. A menina não entendia que ela só poderia fazer três perguntas para elas, e acaba gastando com perguntas bobas quando o trio havia vindo justamente para ajudá-la. Isso são apenas alguns elementos de enredo que eu pude me lembrar aqui de cabeça. Existem muito mais pequenos detalhes espalhados pela história.
Os dois interlúdios são absolutamente fabulosos. O primeiro vai falar do amor de Nada e Morpheus. O conto funciona quase como uma história contada por um griot, um típico contador de histórias africano. Percebemos o poder que uma contação de histórias tem e as versões distintas que ela pode possuir. Na narrativa, é citado a maneira como os contos são repassados de geração a geração. Não existem mentiras, porque os povos que viviam da cultura oral não mentem. Existem formas diferentes de repassar esta história para os mais jovens. A história de Nada é apenas um conto que serve como ritual de maioridade de forma a demonstrar que homens e Eternos possuem suas existências distintas. Aos homens cabe a existência no mundo material. Nada foi sábia ao recusar o amor de Morpheus, mesmo indo contra aquilo que ela desejava. Mas, ela percebeu que aquilo poderia causar efeitos nocivos ao mundo.
Já o segundo conto vemos uma brincadeira de Gaiman com a história do judeu errante. Na história, um homem diz que a morte é apenas algo que fazemos por termos que seguir uma cartilha. Ela não seria desejada ou ansiada, portanto não necessária. E que ele prefere muito mais viver do que morrer. A partir de então inicia-se um estranho ritual em que este homem precisa se encontrar a cada cem anos na mesma taverna com Morpheus e lhe contar como foi sua vida ao longo destes cem últimos anos. Ficamos vendo como a humanidade mudou, que novos valores deram lugar a velhas tradições. Nosso personagem chegou a ser um traficante de escravos durante as Grandes Navegações. Ao final de todas as conversas, Morpheus sempre encerra perguntando se ele ainda não quer morrer. A história do judeu errante é uma lenda antiga retirada da Bíblia que fala sobre um homem que trabalhava em um curtume chamado Ahsverus. Ele via todas as pessoas que eram crucificadas em Jerusalém. Quando Jesus foi condenado durante a Sexta-Feira da Paixão, Ahsverus teria falado uma série de impropérios para Jesus e este o teria amaldiçoado a nunca morrer e a vagar eternamente até o dia em que ele retornasse no fim dos tempos. Existem várias versões desta história, mas esta é a que mais se aproxima da brincadeira proposta pelo autor neste conto.
Outros personagens importantes aparecem neste conto como William Shakespeare que parece que terá outras aparições em volumes posteriores da série e Johanna Constantine, parente distante do Hellblazer. Isso reforça a minha ideia de que Constantine funciona muito bem no universo de Sandman. Basta se encaixar adequadamente dentro do universo do personagem.
Se eu não comentar sobre a convenção de serial killers eu não vou ficar sossegado. Que ideia bizarra aquela. As palestras propostas pelos assassinos são realmente estranhas. E Gaiman sabe lidar bem com este elemento do estranho. O ato de Morpheus de fazer com que todos aqueles que estavam ali reunidos pararem de romantizar aquilo que eles estavam fazendo é um alerta para a maioria das pessoas que acabam gostando de assassinos em série. O que eles fazem não é bonito ou legal; é cruel. Muitos fazem aquilo por motivos torpes ou inúteis. Eles querem apenas saciar seus próprios desejos vãos. Toda a ideia da convenção pode ser associada aos dias de hoje em que banalizamos certos atos cruéis. Assassinos não são heróis ou nenhum tipo de modelo. Por isso o ato de destruir o Coríntio no ato não é um overpower do Morpheus, mas a ação de um ser que percebe que aquele pesadelo que fugiu do Sonhar é responsabilidade dele. E o que ele fez durante o tempo em que Morpheus esteve preso, foi como se o próprio tivesse cometido todas as atrocidades. É um momento para refletirmos sobre os tipos de cultos ou a quem cultuamos nos dias de hoje.
A Casa de Bonecas é um volume sensacional. Com vários elementos de enredo que avançam a história em diversos pontos e a apresentação de personagens cruciais para o futuro da série, Gaiman constrói uma história sólida. Não apenas isso, ele encontra finalmente sua voz na série já que agora vemos o ritmo de como Morpheus vai ser apresentado nos próximos volumes. Os desenhos também estão lindos e com a entrada dos convidados, isso dá uma certa folga para Dringenberg e Jones.
Imagens:
Este volume tem como personagem central Rose Walker que possui uma habilidade única que pode levar o Sonhar para o caos completo. Desejo, uma dos Eternos, deseja pôr as mãos em Rose de forma a ampliar sua influência. Mas, ela vai tentar isso de forma indireta. Rose e sua mãe, Miranda, vão receber uma estranha carta chamando-as para a Europa onde se encontrarão com Unity Kincaid, uma senhora que parece ter uma estranha ligação com as duas. Já Morpheus se dará conta de que alguns pesadelos fugiram do Sonhar: Glob e Brute, o Coríntio e Fiddler's Green. Devido à natureza destes pesadelos, Morfeus precisa trazê-los de volta antes que eles causem danos irreparáveis. Além do que, ele precisa demonstrar que anda está no controle de sua própria dimensão. Como extras, temos dois interlúdios: um contando a história de como Morpheus conheceu a linda princesa africana Nada; e o outro que conta sobre um homem que se encontra a cada cem anos com Morpheus e conversa com ele em uma mesa de bar.
Antes de mais nada é preciso destacar como esse volume é reflexivo. A quantidade de mensagens escondidas nas entrelinhas dele é gigantesca. E eu duvido muito que eu tenha conseguido pescar todos os temas, mas tentarei apresentar aquilo que mais me chamou a atenção. O volume recebe o nome de Casa de Bonecas a partir de uma mensagem que Gaiman tenta passar ao longo da história. Isso porque Sandman é uma história sobre seres poderosos que mexem com vários aspectos da realidade. Estamos falando de seres como Sonho, Desejo, Destino, Delírio, Morte. Como seres humanos, estamos todos à mercê dos poderes destes seres eternos. Cada um deles pode interferir diretamente na ordem universal. Por exemplo, quando Sonho esteve preso durante mais de meio século, muitos seres humanos foram afetados pelo descontrole dos sonhos. Neste volume, a inexperiência de Rose Walker produz efeitos extremamente nocivos para várias pessoas ao seu redor. Mas, ao mesmo tempo, Gaiman faz uma inversão nesta filosofia ao colocar Morpheus e Desejo em um diálogo muito interessante no epílogo deste volume: será também que não podemos pensar que são os seres humanos que se utilizam dos eternos? Será que não são nossos próprios inconscientes que dão forma a estes seres tão poderosos? Por que se não houvessem pessoas sonhando, haveria necessidade de um Morpheus? Ou se não desejássemos, haveria necessidade de uma Desejo? Se fôssemos todos eternos, por que existiria a Morte? É uma interessante forma de pensar. Uma nova maneira de enxergar estes seres tão poderosos.
A partir deste segundo volume, Gaiman passa a empregar desenhistas convidados. Realmente os lindos traços de Mike Dringenberg e Malcolm Jones não são passíveis de manterem um ritmo mensal. É preciso criar estratégias para dar algum descanso para eles. E surgem os interlúdios justamente para cobrir esses espaços. Neste volume, temos Chris Bachalo, Michael Zulli e Steve Parkhouse. Os três ficaram encarregados do conto Men of Good Fortune que funciona como interlúdio entre os capítulos de The Doll's House. Eles contribuíram muito bem com este volume e, mesmo sendo um filler, eles quebram um pouco o ritmo sombrio dos outros capítulos. É um conto com quadros coloridos e que se passa em uma taverna ao longo de vários séculos. A quantidade de personagens diferentes no cenário mostra a habilidade dos artistas em pintar estilos diferentes. Temos desde personagens típicos da Idade Média até pessoas do tempo presente. Predomina uma forte palheta puxada para o marrom e o bege típicos de um bar. O preto e azul do Morpheus chega a chamar a atenção.
Nos demais capítulos, o meu destaque vai para o belíssimo prelúdio que mostra o conto do amor de Nada por Morpheus. Os visuais são absolutamente estonteantes. A beleza do sol no deserto ou da corte de Nada. Dringenberg e Jones trabalharam com espaços muito amplos, o que forneceu uma característica única para a história. Nos demais capítulos podemos perceber como a carga de trabalho acaba pesando um pouco para os dois artistas. É possível perceber uma leve queda em alguns capítulos do meio do volume, mas nada que prejudique a história. O visual do Coríntio ficou absolutamente arrasador. Aquilo é realmente de dar medo. Os olhos dele me davam nervoso. Os desenhos mais gore também ajudaram a demonstrar o estilo agressivo e sanguinário do personagem. Também preciso destacar o momento em que são descritos o que cada personagem está sonhando lá pelo final do volume. Os dois artistas conseguiram dar individualidade a cada um dos sonhos apresentados. Pensar que isso é feito sem nenhum recurso digital é de aplaudir de pé os artistas.
Apesar de Gaiman se manter afastado do universo maior da DC, isto não impede que ele use alguns elementos aqui e ali. O autor decidiu brincar com as referências ao Sandman antes da criação do seu Morpheus. Ele utiliza um personagem que usava essa alcunha para construir a sua história. Vemos que é um personagem bobo situando a mentalidade dele nas histórias típicas da década de 40 a 60. Um personagem sem grandes ambições além de derrotar o inimigo da semana, que era geralmente alguém bem bobo. Só que é um superherói que não percebeu que seu tempo já passou e acaba se tornando marionete de Glob e Brute. É muito interessante essa referência a essas histórias mais antigas e talvez mais ingênuas diante da profundidade exercida por Sandman. Esse momento serve também para nos apresentar a Jed, irmão de Rose que estava desaparecido há muito tempo. Jed foi separado de Rose quando era muito pequeno e ficou sob os cuidados de uma família que o acolheu. Só que esta família acaba tratando o jovem Jed com extrema violência e o mantendo cativo no porão de casa. Não sei se existe aqui uma interferência dos dois pesadelos ou de Desejo, mas eu não percebi. Eu atribui aquilo à simples truculência do casal. A vontade de receber o dinheiro de Jed sem repartir com ele. Parece que Glob e Brute deram uma sugestão mental para o casal de que ele não deveria fugir, algo que ele havia tentado algumas vezes.
Neste volume é preciso destacar a habilidade do autor de amarrar histórias. Tudo faz sentido; nada está ali por acaso. Vemos alguns relances disso quando são mencionados alguns elementos de trama do primeiro volume como Unity Kincaid que vai ser central neste volume. Unity é uma das que foram afetadas pela doença dos sonhos quando Morpheus esteve preso. O massacre cometido pelo Doutor Destino no bar é mencionado algumas vezes. As fiandeiras aparecem novamente, dessa vez para Rose. A menina não entendia que ela só poderia fazer três perguntas para elas, e acaba gastando com perguntas bobas quando o trio havia vindo justamente para ajudá-la. Isso são apenas alguns elementos de enredo que eu pude me lembrar aqui de cabeça. Existem muito mais pequenos detalhes espalhados pela história.
Os dois interlúdios são absolutamente fabulosos. O primeiro vai falar do amor de Nada e Morpheus. O conto funciona quase como uma história contada por um griot, um típico contador de histórias africano. Percebemos o poder que uma contação de histórias tem e as versões distintas que ela pode possuir. Na narrativa, é citado a maneira como os contos são repassados de geração a geração. Não existem mentiras, porque os povos que viviam da cultura oral não mentem. Existem formas diferentes de repassar esta história para os mais jovens. A história de Nada é apenas um conto que serve como ritual de maioridade de forma a demonstrar que homens e Eternos possuem suas existências distintas. Aos homens cabe a existência no mundo material. Nada foi sábia ao recusar o amor de Morpheus, mesmo indo contra aquilo que ela desejava. Mas, ela percebeu que aquilo poderia causar efeitos nocivos ao mundo.
Já o segundo conto vemos uma brincadeira de Gaiman com a história do judeu errante. Na história, um homem diz que a morte é apenas algo que fazemos por termos que seguir uma cartilha. Ela não seria desejada ou ansiada, portanto não necessária. E que ele prefere muito mais viver do que morrer. A partir de então inicia-se um estranho ritual em que este homem precisa se encontrar a cada cem anos na mesma taverna com Morpheus e lhe contar como foi sua vida ao longo destes cem últimos anos. Ficamos vendo como a humanidade mudou, que novos valores deram lugar a velhas tradições. Nosso personagem chegou a ser um traficante de escravos durante as Grandes Navegações. Ao final de todas as conversas, Morpheus sempre encerra perguntando se ele ainda não quer morrer. A história do judeu errante é uma lenda antiga retirada da Bíblia que fala sobre um homem que trabalhava em um curtume chamado Ahsverus. Ele via todas as pessoas que eram crucificadas em Jerusalém. Quando Jesus foi condenado durante a Sexta-Feira da Paixão, Ahsverus teria falado uma série de impropérios para Jesus e este o teria amaldiçoado a nunca morrer e a vagar eternamente até o dia em que ele retornasse no fim dos tempos. Existem várias versões desta história, mas esta é a que mais se aproxima da brincadeira proposta pelo autor neste conto.
Outros personagens importantes aparecem neste conto como William Shakespeare que parece que terá outras aparições em volumes posteriores da série e Johanna Constantine, parente distante do Hellblazer. Isso reforça a minha ideia de que Constantine funciona muito bem no universo de Sandman. Basta se encaixar adequadamente dentro do universo do personagem.
Se eu não comentar sobre a convenção de serial killers eu não vou ficar sossegado. Que ideia bizarra aquela. As palestras propostas pelos assassinos são realmente estranhas. E Gaiman sabe lidar bem com este elemento do estranho. O ato de Morpheus de fazer com que todos aqueles que estavam ali reunidos pararem de romantizar aquilo que eles estavam fazendo é um alerta para a maioria das pessoas que acabam gostando de assassinos em série. O que eles fazem não é bonito ou legal; é cruel. Muitos fazem aquilo por motivos torpes ou inúteis. Eles querem apenas saciar seus próprios desejos vãos. Toda a ideia da convenção pode ser associada aos dias de hoje em que banalizamos certos atos cruéis. Assassinos não são heróis ou nenhum tipo de modelo. Por isso o ato de destruir o Coríntio no ato não é um overpower do Morpheus, mas a ação de um ser que percebe que aquele pesadelo que fugiu do Sonhar é responsabilidade dele. E o que ele fez durante o tempo em que Morpheus esteve preso, foi como se o próprio tivesse cometido todas as atrocidades. É um momento para refletirmos sobre os tipos de cultos ou a quem cultuamos nos dias de hoje.
A Casa de Bonecas é um volume sensacional. Com vários elementos de enredo que avançam a história em diversos pontos e a apresentação de personagens cruciais para o futuro da série, Gaiman constrói uma história sólida. Não apenas isso, ele encontra finalmente sua voz na série já que agora vemos o ritmo de como Morpheus vai ser apresentado nos próximos volumes. Os desenhos também estão lindos e com a entrada dos convidados, isso dá uma certa folga para Dringenberg e Jones.
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