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Resenha: "Orks vol. 1" de Nicolas Tackian e Nicolas Guenet

26/9/2018

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Por Paulo Vinicius F. dos Santos.
Os orks tentam acabar com a ameaça dos homens. Eles desejam escravizá-los e espalhar a palavra do Único, o verdadeiro deus. Mas, com a morte do chefe ork, Gorko, um ork de poucas palavras e muito sangue, assume a chefia. A guerra entre orks e homens está para estourar. 
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Ficha Técnica:

Nome: Orks vol. 1
Autor: Nicolas Tackian
Artista: Nicolas Guenet
Editora: Mythos HQs (no Brasil)
Gênero: Fantasia
Tradutores: Octávio Aragão e Paulo Henrique Goés Tirré
Número de Páginas: 116
​Ano de Publicação: 2018 (no Brasil)

Link de compra:
https://amzn.to/2QWSs0G
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Sinopse: Humanos e anões se unem para escravizar as raças antigas e cabe aos Orks enfrentar esta ameaça e salvar a sua tribo! Em Orks, HQ com roteiros de Nicolas Tackian e arte de Nicolas Guenet, estas criaturas não são os grandes, asquerosos e tradicionais vilões como em muitas obras. Eles são apenas mais uma das raças antigas que povoam o mundo. Orks podem ser violentos e bárbaros, mas também são muito conectados ao planeta e a natureza, tentando viver em paz com seus costumes ancestrais. Neste mundo, os humanos são os grandes expansionistas, escravizando as outras raças antigas, com a ajuda de anões e suas máquinas de guerra. Os elfos são seres muito mais tribais, canibais e reclusos e a situação apenas piora quando todas estas raças entram em um conflito eminente. Orks mostra um outro lado, pouco explorado na maioria das obras do gênero, misturando uma arte impactante e visceral com um roteiro profundo, que fica por um bom tempo na cabeça após a leitura.
Os orcs sempre são pensados como aqueles soldados rasos de supervilões. Heróis matam estes semi-humanos às centenas, diante de gritos e rugidos de guerra. Nicolas Tackian decidiu inverter o ponto de vista. E se os orcs fossem os protagonistas e os humanos é que fossem os vilões. Que tipo de história isso daria? Com essa mentalidade, o autor cria uma história no mínimo interessante. 

A edição da Mythos está muito bonita. Em tamanho europeu, a edição favorece o traço do Nicolas Guenet que tem belas composições de cena. Orks pertence ao selo Gold Edition com edições de luxo e justifica bem isso. Edição em capa dura com papel de boa gramatura que dá a impressão de uma HQ maior do que ela é. Não senti nenhum problema na impressão e acho que devo ter visto um errinho de tradução, mas, sinceramente, um não é nada (tanto que eu sequer me recordo se foi na primeira ou na segunda partes). Novamente eu senti falta de um extra no final. Acredito que na edição europeia não tenha, mas seria legal se a Mythos pensasse em criar matérias no formato de editorial para a edição brasileira (não sei nem se pode, mas seria legal se pudesse). 

A narrativa do Tackian é eficiente em apresentar a proposta e os objetivos da trama. Mas, achei que ela não foi tão bem aproveitada quanto poderia e em alguns momentos me pareceu confusa. A primeira parte é muito boa e vai apresentando os elementos narrativos de forma calma e progressiva. A segunda parte eu achei muito corrida. E eu senti que tinha muito a ser extraído ali. Só senti um estranhamento quanto à velocidade como os plot twists foram apresentados. Em um dado momento eu tive que parar, voltar algumas páginas para tentar entender o que estava acontecendo. As últimas dez páginas aconteceram coisas demais para podermos processar. Normalmente quando o final é agitado, tendemos a dizer que a narrativa está dinâmica e repleta de ação. Mas, não foi isso o que aconteceu exatamente. Alguns momentos foram de choque, mas não aquele choque que agrada ao leitor, mas o choque pelo choque. 

O traço do Guenet é bem detalhista. Algumas construções que ele faz de maquinários dos anões são incríveis (apesar de que na segunda parte eles ficaram meio estranhos). Tem uma cena no final da primeira edição em que os protagonistas estão observando as máquinas entrando na floresta, que é uma cena belíssima. O artista abusa bastante do laranja e do marrom o que dá um tom meio de alvorecer. Algumas cenas também em que são apresentadas cenas de rituais tribais ou até mesmo das árvores com silhuetas são brutais. O artista tem uma boa noção corporal. A gente consegue perceber os vários modelos físicos que ele usa ao longo da narrativa. Não só de raças diferentes de personagens (ele usa elfos, anões, orcs e humanos), mas entre as raças existem vários diferenciais. Ele consegue dar sutileza e até delicadeza aos orcs. Só achei que o artista trabalhou pouco as silhuetas dos anões. 
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"A árvore-totem é, ao mesmo tempo, túmulo e protetora de nossa tribo. Escalar seu tronco é como renascer... mas também pode levar à morte."

Essa é uma HQ com temáticas surpreendentes. Se pegarmos em uma análise fria e superficial, vamos imaginar que não há grandes reflexões sendo feitas. Mas, se aproximarmos a lupa temos temas como moderno x antigo, politeísmo x monoteísmo, escravidão. O tema que mais salta à mente é o da escravidão. A revolta dos orcs em relação aos humanos tem a ver com o tratamento indigno que estes recebem dos últimos. As guerras territoriais acontecem e os aprisionamentos também. O que incomoda aos personagens da história é o tratamento e a forma como o seu território tem sido vítima da destruição dos humanos. Na história, os membros das camadas dirigentes na cidade humana enxergam os orcs mais como animais a serem abatidos. O julgamento é feito em relação à sua aparência e cultura. Aliás, a cultura orc é completamente descartada pelos humanos. É possível fazer um paralelo com o colonialismo exercido pelos europeus em relação às culturas africanas do século XIX. Estes perceberam a ameaça que a entrada dos europeus no continente representaria uma ameaça direta às suas culturas. 

E podemos relacionar isso com o conflito entre tradição e modernidade. A todo o momento vemos os orcs recorrendo ao apoio espiritual, a oráculos de forma a guiá-los em suas decisões. Vemos até um conflito entre o líder tribal que deseja a guerra e os anciãos que pedem cautela. Não há um consenso entre as duas partes sobre que atitudes tomar em relação à ameaça que se avizinha. Do outro lado temos seres humanos usando semi-humanos como objetos descartáveis e promovendo a intolerância para incentivar a população contra os orcs, últimos remanescentes não conquistados das raças antigas. Nesse sentido fica a dúvida: guerrear ou buscar uma linha de diálogo, onde o outro lado não deseja esta linha? Em nenhum momento o leitor é colocado diante de um contexto onde os humanos desejam de fato acabar com a guerra. Apenas a sacerdotisa é contra, mas por conta de suas convicções religiosas. 

Não posso deixar de mencionar a questão religiosa como um ópio para o povo. A crença no Deus Único cega a população quanto à ameaça que este exerce sobre o cultos antigos. Claro que Tackian usa elementos sobrenaturais para dar um caldo a isso, mas me parece o conflito entre o monoteísmo (religião com apenas um deus) e o politeísmo (religião com vários deuses). O monoteísmo surge com uma mensagem simples e de compreensão, mas em seu âmago seus praticantes são intolerantes e destrutivos. A sacerdotisa representa o lado ponderado de tudo, tendo em seu coração uma visão inocente e ingênua sobre o que sua religião representa. Quando ela é apresentada aos fatos cabais, vemos o choque de alguém que teve suas convicções abaladas. Ao final, o autor propõe uma solução de meio-termo que eu achei estranha no sentido de que parece haver um volume 2 da história. Se ele tivesse encerrado ali com uma história fechada, eu teria compreendido. 

Orks é uma HQ surpreendente com um roteiro bom. O que parece ser algo simples, vai apresentando múltiplas camadas que revelam toda uma complexidade escondida nas linhas. A arte de Guenet é bem detalhista, apesar de que perdeu um pouco do brilho na segunda parte com uns trechos meio confusos. 
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Resenha: "Vitamin" de Keiko Suenobu

19/9/2018

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Por Paulo Vinicius F. dos Santos.
Sawako é uma jovem e alegre menina em seu tempo de escola. Gosta de conversar com as amigas e tem um namorado que todas acham o cara perfeito. Mas, um acontecimento em sua vida vai provocar uma brusca mudança e fazer com que cada dia na escola seja um sofrimento.
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Ficha Técnica:

Nome: Vitamin
Autora: Keiko Suebonu
Editora: JBC (no Brasil)
Gênero: Drama
Número de Páginas: 185
Ano de Lançamento: 2015 (no Brasil)

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Sinopse: Sawako uma estudante de 15 anos, levava uma vida escolar como muitas outras, sem maiores problemas. Até que certo dia, ela é flagrada com o namorado em uma sala de aula por um colega de classe, e isso transformará a vida dela em um verdadeiro inferno que é sofrer bullying! As amigas de ontem, são as vilãs de hoje...Qual é a "Vitamina" necessária para ela suportar a dor e desespero de ser maltratada pelos próprios colegas de de escola?
O tema do bullying já foi abordado de diversas maneiras diferentes por autores diferentes. Sempre é um tema de impacto, dependendo da maneira como o autor explora o tema e como ele direciona o desenvolvimento da história. Keiko Suenobu dirige a temática para a história de uma menina que precisa enfrentar situações bem complicadas. Através do seu problema com o bullying ela vai percebendo outros problemas de sua personalidade.

O roteiro é bem fechadinho. Temos aqui uma história em volume fechado com uma clara delimitação entre início, meio e fim. A autora amarra todas as pontas soltas apesar de eu achar que ela poderia ter explorado melhor as descobertas que a Sawako faz sobre si mesma. Os problemas da personagem com o bullying são bem trabalhados e o leitor vai acompanhando a escalada dos acontecimentos. O roteiro da autora é bem verossímil e realista. Alguns alegam que determinadas situações são fortes e não condizentes, pois eu digo o contrário: a autora até pegou leve. Achei o encerramento da história bastante satisfatório; não chega a ser um final ideal, mas é um final adequado para a personagem. No fundo a história acaba passando uma mensagem bem positiva, sem qualquer lição ou moralismo barato.

Entretanto, eu não gostei do traço da autora. Mesmo para um shoujo, o traço dela é esticado e estereotipado demais. Alguns momentos passa até uma ideia de que não houve uma arte-final, principalmente no segundo capítulo. O que eu gostei muito é como a Suenobu trabalha com a expressividade ou a falta dela na história. Sawako é muito expressiva; ela não esconde os seus sentimentos. Já na escola vemos como a autora trata os colegas da protagonista como se fosse um coletivo: sem expressão, sussurrando pelos corredores, olhando por sobre o ombro. Esse efeito de "manada" ficou sensacional e revela como o ambiente da escola pode ser opressivo. No segundo capítulo, os cenários chegam a ser claustrofóbicos. Até mesmo o quarto bagunçado da Sawako passa essa impressão. Temos algumas cenas de sexo (poucas e não tão explícitas), portanto, fica de alerta para aqueles que não curtem esse tipo de cena.

A autora trata do tema de uma forma bastante madura. Em alguns momentos passa a impressão de que ela teria vivido aquilo (no pós-créditos ela não comenta a respeito). Como a narrativa é muito focada na Sawako, a gente tem uma história bastante intimista em como uma personagem que antes era popular e cercada de amigas, subitamente se vê sozinha e sendo atacada por todos os lados. O bullying é angustiante e a gente fica pensando o tempo todo que vai aparecer alguém para ajudar a personagem. Ficamos esperando isso acontecer (se vai ou não, aí já é spoiler e eu não vou contar). Esse é o aspecto vira páginas da narrativa. A gente quer que tudo se resolva da melhor maneira possível porque Sawako vai entrando em uma espiral de depressão que chega a momentos bem críticos. E isso é revelador de o quanto o bullying pode acabar com a vida social de uma adolescente e causar mudanças graves na cabeça deles. E olhe que se tratou apenas de um rumor.

Vemos todos os lados do bullying escolar: o rapaz que finge que nada fez, os colegas que atacam de uma hora para outra, o professor que não compreende a situação e tenta minimizar. Quem já passou por uma situação semelhante ou em menor grau sabe do que estou falando. Muitas vezes aquele que sofre com o bullying precisa resolver ele mesmo a situação, isso quando consegue. Normalmente os mais afetados por este problema são os mais frágeis. Aqueles que vivem em uma redoma de vidro e não conhecem como o mundo pode ser um lugar selvagem. Não há exageros aqui; como disse acima, já vi casos piores tanto no aspecto físico como no psicológico. Crianças e adolescentes podem ser bem maldosos quando assim desejam. Muitos de nós temos a falsa impressão de uma inocência infantil que nem sempre é verdadeira. O universo escolar é um universo à parte onde existem os populares e os desfavorecidos. Alguém pode sair de um status para o outro da noite para o dia, sem mais nem menos.

Gostei também de como a autora trabalhou o sistema familiar da Sawako. Apesar de ser um ambiente fortemente influenciado pela cultura japonesa, nós temos exemplos de famílias no Brasil onde essa situação se repete. É o caso do filho ou da filha seguindo as tradições ou o "emprego" da família. Uma criança impressionável ou carente pode ter o mesmo tipo de desejo que a Sawako: apenas um sorriso ou um voto de aceitação. Lutar contra a maré, expor aquilo que realmente se deseja não é uma atitude comum e exige muita força de vontade. Podemos ver na história o quanto a Sawako precisou sofrer para conseguir pôr para fora aquilo que ela realmente sentia. E pudemos acompanhar o quanto a mãe não era capaz de compreender o real desejo de sua filha. Muitas vezes o que achamos que irá fazer bem é apenas uma prisão. Claro que não podemos liberar geral e permitir tudo, mas perceber quais são as vontades e o quanto podemos contribuir para que um sonho possa se realizar. Há de se ter cuidado para não projetarmos os nossos desejos em nossos filhos.

Vitamin é uma história emocionante sobre uma situação muito real que acontece diariamente em muitas escolas de várias partes do mundo. Com uma narrativa bastante emotiva e uma personagem fascinante, só me incomodou o traço da autora que não me agradou muito. Mas, as discussões feitas na história são bastante pertinentes e merecem um debate mais amplo.
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Resenha: "Conto de Areia" de Jim Henson, Jerry Juhl e Ramon K. Perez

12/9/2018

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Por Paulo Vinicius F. dos Santos.
Um homem chega a um vilarejo no meio do deserto. Sendo recebido por aplausos e votos de vá em frente, ele recebe um mapa que diz que ele precisa chegar até o outro lado da montanha. Só tem um porém: não confie no mapa. 
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Ficha Técnica:

Nome: Conto de Areia
Baseado no roteiro perdido de Jim Henson e Jerry Juhl
Artista: Ramon K. Perez
Editora: Pipoca & Nanquim
Gênero: como classificar essa HQ???
Número de Páginas: 160
​Ano de Publicação: 2018

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Sinopse: Entre 1967 e 1974, Jim Henson e Jerry Juhl prepararam três versões de um roteiro para um longa-metragem chamado Conto de Areia. Enquanto trabalhava na última revisão do texto, Jim Henson começou a se envolver na produção de Vila Sésamo e O show dos Muppets, e abandonou o cinema experimental para se concentrar nos projetos que o tornaram um criador de renome mundial. O roteiro de Conto de Areia, o único longa-metragem que Henson nunca chegou a filmar, acabou nos arquivos da The Jim Henson Company. Contudo, graças à arte de Ramón K. Pérez (Wolverine e os X-Men, Gavião Arqueiro), a obra finalmente ganhou vida como uma graphic novel de impacto visual a altura do gênio que a concebeu. Ganhadora de três prêmios Eisner em 2012 (Melhor Álbum Gráfico, Melhor Desenhista e Melhor Design de Publicação), dois prêmios Harvey (Melhor Álbum e Melhor História) e do Joe Shuster Award. Também foi eleita melhor publicação do ano em 2012 pelos sites iFanboy e Comics Alliance.
Como analisar arte? Sério, como a gente analisa algo em um nível artístico tão elevado que chega a ser intimidador. Ramon Perez se baseou no roteiro de um mestre como Jim Henson para criar algo impressionante. Para quem não conhece Jim Henson e Jerry Juhl são os responsáveis por dois enormes sucessos da TV americana: Vila Sésamo e Os Muppets. Mentes brilhantes que criaram histórias que cativaram o público por décadas. Mas, Conto de Areia é um roteiro que nunca foi adaptado, em uma época em que Henson fazia diversos trabalhos experimentais. Seu sucesso com Os Muppets acabou tomando todo o seu tempo e o projeto acabou engavetado. Ramon K. Perez transformou este roteiro em uma HQ magnífica, digna do legado deixado por Henson e Juhl. 

Sobre a edição em si, o Pipoca & Nanquim mais uma vez caprichou no produto final. A capa conseguiu manter a qualidade da edição americana, apesar de ter suas próprias especificidades. Faço ideia do trabalho editorial necessário para trazer algo tão fora da curva para o Brasil. É preciso lembrar que a editora realiza o seu trabalho de impressão inteiramente em território nacional, diferentemente da Panini, por exemplo, que envia para fora do Brasil. O formato da edição lembra um caderno moleskine com as bordas arredondadas, um elástico para marcar páginas. A capa é linda com alguns trechos em baixo relevo criando níveis na capa. A folha de guarda mostra uma mescla entre os autores e o protagonista da história. Aliás, essa é uma tônica da história; essa mescla entre o roteiro e a HQ, algo muito bem pensado por Perez. Mas, voltando à edição, o letramento também é incrível, com algumas fontes tendo sido feitas à mão. 

Vale o destaque de que o Pipoca & Nanquim é a única editora de quadrinhos totalmente transparente acerca de todo o processo editorial. Isso ajuda e muito aos leitores a entender as etapas de produção de um quadrinho. Detalhes que nós, leigos, jamais entenderíamos caso não houvesse todo esse trabalho deles de mostrar passo a passo o que foi e o que não foi feito ou como foi feito. Desconheço outra editora de quadrinhos no mundo que tenha esse trabalho. 

Dessa vez vou falar antes do traço antes de passar para o roteiro. E que coisa linda é esse traço. Muito colorido e com uma palheta de cores inacreditável. Pelo que eu pude perceber, Ramon Perez puxou bastante para o rosa e o amarelo, o que produz um visual psicodélico inacreditável. Em alguns momentos o vermelho toma conta do cenário, quando temos tensão nos quadros. Sequências e mais sequências de splash pages povoam o quadrinho. Nessas splash pages, o artista realiza quadrinizações bem fora do padrão. Para quem aprecia quadrinhos em sua forma mais artística, Conto de Areia é um deleite. Dá para passar vários minutos colados em uma página, tentando assimilar todos os detalhes no pano de fundo. Outro elemento importante é como o artista foi capaz de fazer uma integração entre quadrinho e roteiro. Um exemplo é como a história começa com o roteiro lentamente se transformando em uma imensa splash page com o protagonista chegando na cidade. Em vários momentos da narrativa o roteiro aparece durante as cenas. É uma homenagem justa à origem do quadrinho.​
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Conto de Areia é uma HQ repleta de interpretações. Por o autor deixar a narrativa muito aberta e quase sem diálogos, permite ao leitor construir a sua própria maneira de compreender o que se passa entre as páginas. Não é o tipo de quadrinho que vai agradar muitas pessoas justamente pelo autor não te dar um direcionamento exato do que ele pretende. Cabe ao próprio leitor fazer o seu entendimento e mesmo este não vai estar 100% certo até porque não é essa a intenção. E nem por isso tira os méritos deste grande trabalho. É justamente por me fazer pensar que gosto tanto dele.

Uma das interpretações possíveis é que o protagonista está em batalha consigo mesmo. Cada uma das situações passadas no deserto representam os obstáculos apresentados pela vida. Cabe a cada um de nós buscar ultrapassar esses obstáculos para alcançarmos o nosso objetivo final. E é isso o que representa a linha no final do percurso. Claro que nem sempre vamos conseguir ultrapassar tudo, daí começaríamos todo o processo novamente. O mesmo vale para o caso de conquistarmos nossos objetivos: quando alcançamos, buscamos outro objetivo. Essa teoria é reforçado pelo plot twist do final do quadrinho. 

Outra interpretação é que o personagem estaria tentando vencer o vício dos cigarros. Reparem que o tempo todo ele está tentando acender um cigarro, e sempre acontece alguma coisa para impedi-lo. Seja um homem com um jarro de água, um inimigo disparando sua arma contra o cigarro, pessoas o perseguindo, uma confusão em um saloon. Tudo conspira para isso e tudo o que o personagem deseja é o alívio oferecido por uma tragada. O antagonista da história seria o próprio subconsciente dele buscando atrapalhá-lo para que ele não retome seu vício. 

Pode ser ainda que tudo não tenha passado de uma alucinação provocada por um estado de quase morte no deserto. Ao caminhar pelo deserto, ele pode ter tido algum tipo de sonho desperto em que elementos de seu inconsciente foram parar no cenário. Possivelmente uma mescla de suas memórias e experiências, algo que só seria compreensível para aquele que estava vivenciando a alucinação. Isso é típico dessa condição: mesclar memórias com fantasias. 

Os cenários são os mais diferentes possíveis e Perez usa e abusa desses elementos de roteiro para criar cenas absolutamente bizarras: discos de vinil com sons que acontecem, uma mulher de biquini tomando água de coco no meio do deserto, um saloon dentro de outro saloon, um gordinho segurando um bloco de gelo nas costas que se transforma em um cubo de gelo por causa do calor. A originalidade por trás de cada cena é estimulante. Esse é aquele tipo de quadrinho que deve ser lido e relido diversas vezes e a cada vez vai te oferecer uma interpretação diferente. Mais um trabalho brilhante do Pipoca & Nanquim que nos traz essa obra magnífica. 
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Resenha: "Aventuras de Menino" de Mitsuru Adachi

5/9/2018

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Por Paulo Vinicius F. dos Santos.
Uma coletânea de histórias que certamente vai resgatar suas memórias de infância. Um grupo de amigos perdidos na estrada que se lembram de um acontecimento trágico, um bar que parece parado no tempo e rememora escolhas nunca feitas são algumas das histórias presentes aqui. 
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Ficha Técnica:

Nome: Aventuras de Menino
Autor: Mitsuru Adachi
Editora: L&PM Pocket (no Brasil)
Gênero: Romance
Tradutora: Drik Sada
Número de Páginas: 216
Ano de Lançamento: 2011 (no Brasil)

Link de compra:
https://amzn.to/2M4UwAg
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Sinopse: Em Aventuras de menino, o mestre japonês Mitsuri Adachi explora, com a delicadeza que lhe é característica, a saudade da infância e a melancolia de tornar-se adulto.
Quantas vezes já não nos pegamos pensando a respeito de nossa infância? Amigos que ficaram para trás, momentos de nossa vida que sabemos que nunca retornarão. Ou aquele menino ou aquela menina de quem você gostava, mas nunca teve a coragem de abordar. São essas as histórias que Mitsuru Adachi nos apresenta nessa coletãnea repleta de momentos divertidos e outros emocionantes. São 7 histórias que tem em comum o tema da nostalgia. 

Lá vou eu falar da qualidade do trabalho da L&PM. O tamanho... o tamanho. Ah, o tamanho. O traço do Adachi é tão lindo. E o tamanho do mangá achata completamente os quadros pensados pelo mangaka. Em alguns momentos ocorrem quebras de diagramação por conta do tamanho. Você consegue perceber que o espaçamento (aquela sobrinha entre o quadro e o final da página) não existe. Outro ponto: por que raios não fazem um bendito texto falando sobre o mangaka? Okay, eu aceitava pelo menos uma biografia dele e quais as suas principais obras. Adachi é uma lenda, mas ele é basicamente desconhecido no Brasil. O mínimo que se pode fazer é apresentar a importância dele para o mercado japonês. Pedia para qualquer blogueiro ou booktuber especialista em quadrinhos e mangás fazer um texto fuleirinho e colocava no final. Não daria trabalho. Repito: entendo a ideia da L&PM de popularizar mangás com temáticas mais adultas, mas não é assim que se faz as coisas. Acho que deveria ter havido um pouco mais de carinho na produção. 

O roteiro do Adachi é muito sutil. As narrativas dele procuram ressaltar bastante o cenário, a composição de cena e as expressões dos personagens. Ao falar de texto em si, é preciso destacar o quanto o estilo dele é clean. Várias histórias possuem bem pouco texto. Adachi mostra mais do que conta. O que é uma máxima que se tornou muito falada nos dias de hoje. Ele faz uma mescla entre um estilo mais fantasioso e algo mais pés no chão. Gostei muito da harmonia entre as histórias. Quando o leitor chega no terceiro conto, ele já sabe qual é a temática geral das histórias. Não há uma variação muito grande entre elas. Para mim, isso é muito bom porque demonstra que os materiais foram pensados como um todo. Não são histórias desconexas juntas por um curador. 
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E que traço lindo. O uso que ele faz do preto e do cinza são lindíssimos. Ele tem uma mescla de elegância e sutileza vistos em poucos autores. O autor emprega muito os jogos de câmera para trabalhar um mesmo acontecimento sob vários ângulos distintos. Por exemplo, na cena acima temos um garoto observando e depois pegando um pequeno dragão do topo de um relógio. Vemos uma sequência desde ele descendo a escada,olhando para o relógio e pegando o objeto. Tudo sem nenhuma fala. Deduzimos a cena apenas por esta sequência. Parece simples, mas exige todo um domínio não só do desenho, mas de como encaixar estas cenas em uma ordem coerente. O design de personagens do Adachi é bem clássico e por alguns momentos me fez lembrar o Tezuka. Poucos traços e bem diretos para facilitar o trabalho do mangaka, ao mesmo tempo em que ele impõe detalhes como blusas, calças e ternos com pequenos detalhes. O cenário no fundo não é esquecido como quadros com pinturas, as folhas de uma árvore (que possuem todas as suas nervuras) que não parecem iguais, um salão repleto de itens diferentes. Gosto de como o Adachi faz as coisas parecerem simples quando na verdade não são. É o nível dele que é tão elevado que atingiu outro patamar de harmonia. 

Vou falar de duas histórias que eu gostei muito. Começando pelo fim, Caderno de Desenho é uma linda história sobre um rapaz que ia muito até uma cafeteria onde passava horas desenhando e pensando na vida. Ele tenta se declarar para uma menina que ele passou anos seguindo-a e toma uma negativa. Mas, aí vemos que esta menina se divertia rejeitando os rapazes que ela seduzia. É uma história sobre escolhas erradas e sonhos nunca realizados. O caderno de desenho onde ele colocava seus sonhos foi esquecido na cafeteria e todos os outros que ele tinha foram jogados fora em prol de uma vida de adulto. O autor não questiona se as escolhas do protagonistas foram corretas ou não. Não importa. Escolhas são escolhas, e temos todo o direito de arrependermos delas. Mas é possível também tentar corrigir e quem sabe contornar determinadas situações. 

Já Perdidos na Estrada trata de escolhas não feitas também, mas com um tom mais sombrio. Um grupo de três amigos se vê preso em uma estrada dentro de uma floresta e rememora a morte de um amigo. Eles se ressentem de não terem sido capazes de salvar seu amigo e até acreditam terem sido responsáveis pelo acidente que causou a morte de Michi, seu amigo, por conta de uma brincadeira que eles haviam feito. Quando somos crianças, fazemos coisas das quais nos arrependemos. Não sabemos a gravidade de algumas situações. Claro que isso não significa um sentimento de impunidade em relação a tudo. Nada disso. Apenas a compreensão de que crianças não possuem a mesma visão que um adulto a respeito das coisas. Ao mesmo tempo os amigos se ressentem de terem deixado o outro amigo que esteve envolvido na situação do acidente para trás. Como se eles tivessem julgado o amigo Daichi como O Culpado pela morte de seu amigo. Eles criaram uma barreira em relação a ele, o ocorrido sendo encarado como uma mácula que não deveria ser revista. 

As histórias de Adachi são riquíssimas em detalhes e sentimentos. Eu poderia ficar parágrafos e mais parágrafos comentando a respeito deles, mas prefiro deixar para que vocês, leitores, explorem a narrativa rica deste autor. Apesar da edição ruim do mangá, recomendo demais a leitura. Não tem como você não se emocionar ou refletir sobre alguns desses contos. Acredito até que o leitor irá se identificar com algum deles, ou alguma situação muito semelhante a alguma passada na infância. 
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