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Resenha: "Cujo" de Stephen King

16/3/2017

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Por Paulo Vinicius F. dos Santos.
Cujo é um nome de um doce e gentil são-bernardo que vive com Brett Camber. Mas, quando o animal é mordido por um morcego, ele se transforma em uma máquina assassina. Ou será que esta mudança súbita tem outras causas?
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Ficha Técnica:

Nome: Cujo
Autor: Stephen King
Editora: Suma de Letras (no Brasil)
Gênero: Terror
Número de Páginas: 376
Ano de Publicação: 2016 (no Brasil)

Sinopse: Frank Dodd está morto e a cidade de Castle Rock pode ficar em paz novamente. O serial-killer que aterrorizou o local por anos agora é apenas uma lenda urbana, usada para assustar criancinhas. Exceto para Tad Trenton, para quem Dodd é tudo, menos uma lenda. O espírito do assassino o observa da porta entreaberta do closet, todas as noites. Você pode me sentir mais perto… cada vez mais perto. Nos limites da cidade, Cujo – um são bernardo de noventa quilos, que pertence à família Camber – se distrai perseguindo um coelho para dentro de um buraco, onde é mordido por um morcego raivoso. A transformação de Cujo, como ele incorpora o pior pesado de Tad Trenton e de sua mãe e como destrói a vida de todos a sua volta é o que faz deste um dos livros mais assustadores e emocionantes de Stephen King.
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Aqui está um livro que há décadas precisava voltar às prateleiras no Brasil. Assim como várias obras do início da carreira do autor, ele desapareceu e nunca mais foi reeditado. Finalmente a Suma de Letras publicou a obra em uma edição lindíssima. Não havia lido esta obra e ao terminar de lê-la fiquei muito satisfeito com o resultado. Cujo pertence a uma outra época mais intensa do autor em que as temáticas eram mais pesadas e tinham muito a ver com o seu próprio estado de espírito.

Primeiramente eu gostaria de falar da edição da Suma que ficou muito acima da média. O padrão da editora no que diz respeito à publicação do autor no Brasil é o formato brochura, sendo que desde que eles se reestruturaram internamente eles mudaram do papel pisa brite para o pólen o que deu uma outra vida e durabilidade aos livros. Eu tenho várias edições do autor ainda na edição antiga e não são produtos muito agradáveis (o papel reflete luz, as capas se desfazem em pouco tempo). Curiosamente as edições de bolso em sua maioria eram em papel pólen. Mas, voltando à edição de Cujo, a capa ficou muito bonita em tons de vermelho e preto que tem muito a ver com o clima da história. As marcas de patas são em alto relevo e o livro é em capa dura. Foi feita uma nova tradução e eu não senti maiores dificuldades na leitura. A fonte está muito boa, agradável aos olhos. Ao final da edição tem uma entrevista dada pelo autor à revista The Paris Review em que o autor comenta sobre sua carreira e diversos temas interessantes. Um bom extra para os fãs do mestre.

Cujo é uma história que possui duas temáticas básicas: raiva e medo. Todos os personagens são tomados por estes dois sentimentos. Sei que muitos vão querer comentar sobre o cachorro, mas vale aqui mencionar que, conhecendo a escrita do autor, o tema de um livro nunca é aquilo que parece. Raiva e medo são sentimentos primitivos que tomam posse de nossos corpos e nos faz tomar decisões que nem sempre são acertadas. Quando estamos tomados por ambos, não pensamos racionalmente. Isso não acontece com Vic Trent e nem com Steve Kemp. Podemos ver em ambos como um momento de fúria ou de medo é capaz de nos tirar dos trilhos e tomarmos decisões erradas. O mesmo podemos dizer de nossa protagonista, Donna Trent (sim... para mim ela é a protagonista, e não Tad).

Donna tem medo da solidão e da velhice. Querendo ser uma mulher independente que era uma vontade das mulheres da geração baby boomer, elas queriam mais atenção e respeito do que simplesmente serem donas de casa. Infelizmente quando se vive no interior dos EUA e seu marido é um homem que precisa viajar a negócios, suas escolhas acabam ficando limitadas. Como dizia aquele velho e famoso dito popular: "Mente vazia, oficina do diabo". Religião e ditos populares à parte, Donna acaba se envolvendo uma relação extra-conjugal não porque ela deseja trair o marido, mas porque ela quer preencher o seu tempo, quer se sentir desejada. Estamos falando aqui de uma personagem escrita nos anos 80, mas que reflete bastante alguns problemas de casais de nossa época. Vic e Donna são, teoricamente, um casal feliz: Vic não é abusivo, não é um pai ruim, só é ausente por conta do serviço. Claro que poderia haver uma postura diferente de Vic? Provavelmente sim. Ser um workaholic implica em alguns problemas familiares. No final da trama (sem dar muitos spoilers), vemos o lado primal de Donna. Um lado que busca proteger o seu filho sim, mas também busca sobreviver. Falamos da violência de Cujo na história, mas a cena final de Donna é extremamente violenta. Não sei o quão diferente de Cujo Donna estava naquele momento. Podemos recorrer à solução simples e alegar que era o instinto materno, mas será que não havia um algo mais ali?

O amante de Donna, assim como a maior parte dos personagens canalhas de King, é um cara extremamente detestável. Um professor de tênis alcoólatra, abusivo e bêbada que se acha um poeta. King sabe fazer com que o leitor deteste um personagem. O medo de Kemp é semelhante ao de Donna, mas tem uma profundidade maior. Assim como muitos homens na faixa dos 30, ele se sente viril ao ser desejado por outras mulheres. Pior do que isso, transar com outras mulheres é uma necessidade básica para que ele continue a se achar mais macho. Acredito que mesmo que o personagem fosse casado, ele continuaria com a sua mentalidade promíscua. O fato de ele desejar ser um poeta é um toque extra do autor para transformar o personagem em um canalha inteligente. Quando Donna o abandona, isso é uma ferida em seu orgulho de macho. Porque, na mente dele, nenhuma poderia abandoná-lo; somente ele abandona. A sua atitude destrutiva e infantil posterior reflete toda a sua falha de caráter. Trazendo para os nossos dias de hoje, fico pensando no famoso caso judicial do goleiro Bruno e da morte de Eliza Samúdio. O quanto não podemos associar a personalidade de Kemp com a do goleiro? Será que no fundo a questão não foi apenas a de um macho ferido que matou sua amada com requintes de crueldade? É uma história com toda a pinta de um romance de Stephen King.

Já Vic Trenton é o Maridinho Lindo, nas palavras de Kemp. Um marido apaixonado que possui uma criança linda e inocente. A sua relação com Donna anda problemática por culpa de sua própria postura trabalhadora. Não acho ser possível recriminar nem Donna e nem Vic. A reação dos dois à situação em que ambos viviam é natural. Logicamente que a falta de diálogo entre os dois acaba por complicar ainda mais a situação. A raiva que o personagem sente ao ser traído faz com que ele não saiba o que fazer para apresentar uma solução. E aí, mais uma vez, a indefinição surgida a partir da raiva faz com que tudo se complique. Mesmo o personagem sabendo que o que aconteceu não voltaria a acontecer, o seu orgulho de macho o impede de raciocinar logicamente. É muito bacana a maneira como o autor apresenta a confusão na mente do personagem. Percebemos nas linhas da história a contradição: o personagem quer dar uma oportunidade à mulher, mas existe sempre aquela pequena dúvida que acaba alterando tudo. O medo que o personagem sente depois é o de um lar destruído que poderia ter sido evitado caso ele tivesse agido antes. A inércia causou tudo; inércia em retornar antes quando ele viu que algo estava diferente; a inércia ao imaginar que toda a culpa do mundo estava em Kemp; e a inércia diante de uma esposa destruída após dias de uma luta mortal.

Novamente King cria personagens muito realistas. É impressionante a habilidade que ele possui de criar pessoas. Joe Camber, Roger, Andy Masen, Gary Pervin. O leitor conhece a fundo estes personagens em todas as suas características, fossem elas positivas ou negativas. E a partir desses personagens, o autor consegue criar histórias paralelas que nem sempre vão fornecer elementos para a história, mas que são interessantes de todo o jeito. Por exemplo, Joe Camber é um homem violento em uma família simples do interior. A esposa, Charity, sofre com violência doméstica e tenta fazer do filho uma pessoa melhor do que seu pai. Sua luta diária tem um obstáculo terrível que é o marido que, mesmo amando o filho ao seu jeito, quer fazer dele o seu sucessor. A amarga vitória de Charity no final da história não pode ser condenada. Ela obtém aquilo que desejou mesmo com tudo o que vem a reboque. Não podemos condenar a personagem por pensar daquela forma. Quem vive em um lar desses sofre com esse tipo de fúria masculina desmedida diariamente. Se você curte construção de personagens, Cujo não é tão extenso quanto outras obras do autor e vai te dar um prato cheio de boas temáticas.

Mas, temos que falar do monstro do armário, certo? Adorei a forma como King aproveitou alguns elementos de outro livro que eu adoro, A Zona Morta. O bom e velho xerife Bannerman está presente novamente e o espírito de Frank Dodd também. O curioso é que o autor não deixa claro se Cujo foi realmente tomado por Dodd ou se a raiva cega é fruto da hidrofobia. Nesse aspecto, o autor se superou porque o leitor vai permanecer com essa dúvida. Tad Trenton tem um monstro no armário, o que nos fornece o elemento sobrenatural da trama. Quando Vic investiga o quarto do menino e dá a ele as Palavras para Monstros achamos que o espírito quer sair a todo custo. Quando Tad retira as Palavras do armário e depois é atacado por Cujo que parece ter uma fixação por Donna e Tad, nós imediatamente imaginamos ser culpa de Dodd. Mas foi mesmo? Será que tudo não foi uma coincidência como quase tudo o que acontece na história para colocar Donna e Tad naquele cerco mortal ao longo de dois dias? A própria Donna comenta isso na metade final da história. Sim, existe a troca de olhares e o embate primal, mas será que tudo não foi imaginação da personagem? Ela pode ter visto monstros onde não existiam; talvez tenha tentado dar uma explicação bizarra para a obsessão do animal selvagem. Quando não havia explicação alguma como quase tudo o que levou a narrativa até ali.

Gostei muito da narrativa de Cujo e dá para traçar vários paralelos como uma das minhas histórias favoritas do autor, O Cemitério. A brutalidade e a fúria presente nas páginas se espalha pela história. Eu senti apenas que a história ficou um pouco mais arrastada na metade. O cerco de Cujo ficou um pouco cansativo. Enquanto que O Cemitério tem o tamanho ideal, Cujo é um pouco arrastado. Por isso que quando o clímax veio, não teve o mesmo impacto que a metade final do outro livro. Claro que o que acontece para fechar a narrativa é tão bizarro quanto. Eu gostei porque novamente o autor nos mostra o quanto ele não é justo. O quanto histórias de terror são feitas para nos assustar e mostrar um pouquinho mais do que significa ter medo.

Cujo é uma história muito boa escrita por um Stephen King em um outro humor. Uma história mais violenta, condizente com a proposta da narrativa. Como sempre o autor cria personagens interessantes cujas histórias nem sempre vão se entrelaçar, mas que terão um elemento em comum: a raiva e o medo. Talvez o autor pudesse reduzir um pouco a história, mas mesmo assim, o livro fica na minha lista de melhores leituras do mestre do Terror.

 

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